A carqueja posta no gato, parece lebre
(Padre António Lourenço Fontes (Barroso) – SIC, Perdidos e achados, 28 de Maio de 2011).
Em 1926, O poeta Fernando Pessoa escreveu esta deliciosa história a que deu o título sugestivo Um Grande Português. Foi publicada pela primeira vez no diário Sol (Lisboa, I, nº 1, 30 de Outubro, 1926). Três anos mais tarde seria publicada n’O Noticias Ilustrado - ed. semanal do Diário de Noticias (Lisboa, ano II, série II, nº 62, 18 de Agosto, 1929), com o titulo A Origem do Conto do Vigário.
De que consta este conto? Do seguinte: algures num concelho do Ribatejo vivia um pequeno lavrador e negociante de gado chamado Manuel Peres Vigário. Um fabricante de notas falsas tentou vender-lhe notas de cem mil réis (falsas) por vinte mil réis. O Vigário ficou-lhe com elas ao preço de dez mil réis.
O Vigário é ainda um corrupto, um vigarista, um aldrabão ... |
Com elas pagou uma divida de um conto [milhão] de réis a dois irmãos negociantes. Como? Entrou bêbado na taberna e disse aos dois irmãos que lhes queria pagar, mas em notas de cinquenta mil réis. Um dos irmãos espreitando a carteira do Vigário verificou que eram de cem mil réis. Apressou-se a aceitar o pagamento. O Vigário contou então vinte notas como sendo de cinquenta mil réis e pediu aos irmãos que lhe passassem um recibo, em como havia pago com 20 notas de 50 mil réis. Estes, armados em espertos, passaram-lho logo, julgando que o tinham feito de "lorpa".
No dia seguinte verificaram que eram notas falsas, o Vigário foi chamado à justiça e apresentou o recibo. Foi mandado embora. E foi desta forma, diz-nos o poeta, que a história do “conto de réis do Manuel Peres Vigário”, abreviado o seu título para “o conto do Vigário”, passou a ser uma expressão corrente na língua portuguesa.
Esta história aparece agora publicada pela Centro Atlântico. PT, com um prefácio assombroso do Professor Catedrático (e antigo ministro das Finanças) Bagão Félix, cuja leitura vivamente aconselhamos. Dele respigamos alguns momentos:
“E o senhor Vigário, lavrador e ribatejano …metamorfoseou-se num ambiente de globalização e de exuberância tecnológica”.
“É claro que continua a haver o vigário doméstico ou local, com uma métrica modestamente artesanal de enganar o parceiro. Mas a sofisticação da trapaça é agora universal, sem muros ou obstáculos”.
“”Popularmente, transformou-se numa versão mais curta e incisiva de vigarista”.
“O nosso Pessoa, se hoje fosse vivo, poderia escrever, desassombradamente, sobre uma pletora de vigários”.
“Há também os vigários políticos e eleitorais que prometem sem cumprir, para crédulos e votantes sempre disponíveis para recair no conto-do-vigário”.
“A própria linguagem amaciou a técnica do vigário. Não mente, limita-se a dizer uma inverdade”.
“O vigário de hoje veste bem e calça melhor. Fala de arte e cita Montesquieu…”.
Bagão Félix ilustra o prefácio com vários tipos de vigários (o caloteiro, etc.), aborda a crise de comportamentos, dando ênfase à ética e à justiça. Aborda questões económicas, etc. A não perder! Simplesmente soberbo!
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