quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Muito e bom é com Virgílio Tavares


Por BARROSO da FONTE

Se Virgílio Tavares vivesse em Lisboa, Porto ou Coimbra, as televisões e holofotes promocionais já teriam projetado este investigador Moncorvense, ao nível do super sumo bibliográfico do país. Mas como nasceu em Moncorvo e vive em Mirandela – talvez por fidelidade às raízes – já vai 26 anos de criatividade literária. E o seu nome doutoral, cheio de obras testadas, reeditadas e aplaudidas, não entra nas redações dos programadores comunicacionais. É por isso que, cada vez mais, vivemos no «país do faz de conta».
A mais mediática antologia de autores Transmontanos, Durienses e da Beira Transmontana, chancelada pela Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, de Lisboa e coordenada pelo docente Armando Palavras, inseriu, com o merecido destaque, cinco páginas (403/408). Honra ao mérito! Ai se mencionam cerca de vinte títulos de publicações de cariz monográfico, etnográfico e histórico, de que é claro exemplo, a sua tese de doutoramento sobre o Associativismo recreativo e Cultural do distrito de Bragança – o concelho de Mirandela: 1850 - 2004. Organizou diversas monografias quer de associações, de coletividades e de temas, como: Bombeiros, Folclore, danças e até livros para crianças, como o Peixinho Sável e o livro com Histórias.
No dia 5 deste mês apresentou, em Mirandela, «Trajetos com Memórias», o seu mais recente trabalho de investigação lusófona, descrevendo vidas de gentes comuns que cumpriram destinos afins, em terras identificadas pela mesma língua e idêntica cultura.
A sua vasta e profícua produção reflete-se nestes Trajetos com memórias. Neles são apresentados nove trajetos de outras tantas personagens da sociedade, com quem nós convivemos. O objetivo é transmitir memórias do percurso dessas pessoas que ainda não tenham sido divulgadas. Uma boa maioria são pessoas que nunca expuseram as suas memórias em livro. Outras são pessoas são figuras públicas, mas tentei, a essas, descobrir memórias, aspetos da vida que sejam menos divulgados, escreve na introdução.
Nos trajetos dessas pessoas está inserida a História de Portugal e do mundo, pois foram pessoas que viveram parte da sua vida em Angola, Moçambique, Austrália, Venezuela, Lisboa, Índia, Canadá, e, nas nossas aldeias de Trás-os-Montes, bem como de usos e costumes do seu tempo, pois muitas deles andam a rondar ou passam os 80 anos. Uma esteve na independência da Índia. Já faleceu. E é através da esposa e do cruzamento de dados e ainda de outras paragens, ora de Moçambique, ora de Angola na Guerra do Ultramar; outra foi retornada de Moçambique. Há um Padre, um ex - presidente da Câmara, um Alferes, um escritor consagrado e outras pessoas que exerceram diferentes profissões. São 4 do concelho de Moncorvo, 4 do concelho de Mirandela e uma de Bragança. Esclarece o Autor:«o valor deste trabalho permite compreender o presente, dando a conhecer o passado desses espaços e das gentes que por eles passaram, que neles viveram e que  neles contribuíram para a sua evolução. É, assim, a vida do homem que constrói vivendo, para legar melhores condições e continuidades às gerações seguintes.                                                                                                               
Estes percursos de vida ajudam a construir o nosso próprio mundo, esta sociedade e esta comunidade em que vogamos, como um barco no alto mar. São estórias de vida local que é indispensável para a construção da história nacional. Obviamente são vivências intemporais que recuam aos inícios do século XX e que prosseguem pelas décadas mais conturbadas, com altos e baixos, próprios de um tempo inseguro, infértil e indeciso e, por isso mesmo, a precisar de explicação, visto que foi o século mais perturbado, com factos como: a troca da monarquia pela república; as quatro fases por que passou; a dureza do Estado Novo; a guerra do ultramar; o êxodo da emigração que desertificou o país e o golpe militar do 25 de Abril que tão mal explicado tem sido, noutros quase 48 anos, de liberdade excessiva, em troca de segurança a menos e de instabilidade a mais.
Trajetos com memórias constitui a cartilha popular mais certeira que fazia falta para estabelecer o confronto entre as gerações, desde a proclamação da República sanguinária à democracia titubeante que é, excelentemente retratada na «década de 70 do século XX – tempos revolucionários» (p.128). Se os nove trajetos iniciais, descritos em linguagem exemplar, sublimam o carácter, a tenacidade e o humanismo das personagens, a essência temática do referido capítulo, constitui a cereja em cima do bolo, pela autenticidade factual, pela isenção como é reproduzida, pela oportunidade temporal e pelo público a que o livro se destina. Até nisto Virgílio Tavares faz doutrina para a classe mais eufórica que se excita com extremismos narcisistas e pindéricos. Este livro é o contra-ponto entre o país prometido e o país vivido, o verso e o anverso, o mito e a realidade.                                                                  
                                                                     

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