BARROSO da FONTE |
Escrevo esta crónica no dia em que leio num
dos jornais da minha terra: «...como a imaginação não tem limites, se me
garantirem a compra de vestuário para oferecer aos funcionários municipais,
daremos início à produção de meias, calças, camisas, camisolas e quispos. Tudo
com a marca alusiva a Montalegre. Claro está que se alguns dos nomes aqui
referidos, já tiverem sido registados por alguém, facilmente encontraremos
outros nomes alusivos à nossa terra».
Com
este raciocínio Bento Monteiro pretende atingir uma nova forma de ganhar a
vida. Como o chão onde isto se passa é agreste, infecundo, planáltico e o clima
tem nove meses de inverno e três de inferno, o engenho e a arte de ganhar a
vida, exigem que o homem tire da terra que lhe serve de berço, o sustento para
a sobrevivência pessoal e familiar.
Reporto-me às terras de Barroso que Ferreira
de Castro caracterizou num dos seus mais conhecidos romances, como «Terra
Fria». Andou por ali, em 1934, quando o poder político ainda só conhecia essa
zona fronteiriça do norte de Portugal, pelas serras do Gerês, Mourela, Larouco
e Cornos das Alturas. E também pelos Rios Cávado e Rabagão. Enquanto à
beira-mar predominam os vales, as lezíria e as encostas que dão fartura, nas
Terras do Demo, das bruxas e o fumeiro, os poucos vales que davam pão centeio e
batata da melhor do país, as barragens hidroelétricas dos Pisões, da Venda
Nova, Paradela, Salamonde e Caniçada chegaram na segunda metade do século XX,
obrigando os seus habitantes a entregar o pouco que tinham, para que reter as
águas, contra umas dezenas de escudos que mal deram para refazer a vida no
Minho ou no estrangeiro?
Duas décadas depois, milhares desses e de
outros desafortunados, sujeitaram-se aos perigos da emigração e, juntamente com
a geração do sacrifício que recrutou os jovens para a guerra de África,
apressaram a desertificação generalizada. Em menos de meio século o concelho de
Montalegre, onde vim ao mundo, passou de 35 mil para dez mil habitantes. Pelo
ritmo que a política mostra, este segundo maior concelho do país, em extensão
geográfica, desaparecerá do mapa de Portugal, no próximo meio século.
Os
gestores políticos, à míngua de bens materiais a inovar, entraram numa onda de
apropriação e de acautelamento do futuro, descortinou uma nova forma de vida.
Cada protagonista cuidou de registar, em nome próprio, de família ou de grupo,
pontos geográficos, comeres e beberes
que entraram nas rotas da fama. E, antes que outros o façam, fazem-no alguns
mais ousados e menos escrupulosos. Na área da gastronomia já foram patenteados
nomes na área da gastronomia, como o «cozida Barrosão», do turismo, da bruxaria
e até do «Vinho Padre Fontes».
Como Frei Bartolomeu dos Mártires reclamou que – ao menos - os Padres de Barroso pudessem casar, ora pelo
isolamento, dificuldades de acesso ou aumento de população ativa, ora, pelo
rigor do frio, também, quinhentos anos depois, se abrem exceções no
aproveitamento e posse de bens comuns. Até a Serra do Larouco que já foi ara de
deuses pagãos, começou por merecer acesso da volta a Portugal, em bicicleta. Entre a
vila e os 1.525 metros de altitude, há restaurantes e casas de turismo de
habitação que coincidiram no espaço e no tempo. Para essas já se haviam
construído a pista do RallyCross e o altar-mor do Parapente. Pensou-se que esse
trajeto turístico seria de entrada e de saída por lugares distintos.
Beneficiaria mais do que uma aldeia, a saber: Gralhas, Santo André, Vilar de
Perdizes, Meixide e Meixedo. Mas a Câmara é pobre, o dinheiro comunitário,
chega em catadupa, para casas de Turismo de habitação, não para quem o merece
mas para quem é reguila. E os Barrosões, perante a bondade política, continuam
a « fazer vénias quando passa a procissão» como Miguel Torga anteviu nos seus
diários.
Para que não digam que sou má língua,
retomo o raciocínio de Bento Monteiro para com ele me questionar se, numa
altura em que já não há muitos ângulos geográficos ou paisagísticos para
registar, como potenciais sítios de sucesso turístico, lendário ou
gastronómico, não seria boa ideia criar «três marcas de queijo de Montalegre,
queijo da Mourela e queijo nascente do rio Cávado; duas marcas de vinho: Ponte
da Assureira e vinho de Barroso; duas marcas de cerveja: artesanal Mosteiro de
Pitões e água da Mijareta» Tudo isto implicará sempre o «Presunto de Barroso».
Penso que Bento Monteiro não se lembrou de propor a criação de um
gabinete de registos, não só para apoiar o desenvolvimento dessas marcas, como
para dar formação a ciclistas, a pilotos
de RallyCross, e a treinadores para praticantes de parapente, de motonáutica e
outros.
Um
outro Barrosão que escreve no quinzenário que me inspirou esta crónica, que
nasceu e está vinculado a Gralhas, como o demonstrou na sua última obra
literária que dedica a essa histórica freguesia, tem receita apropriada para
dar cobertura a esta onda de projetos orográficos, pedestres, velocipédicos e
gastronómicos. Chama-se Domingos Chaves e, em «politicamente falando», escreve
que: «este é o mundo desconcertado que
temos pela loucura do dinheiro que vai todos os dias semeando pobreza, fome e
morte».
A
alegoria que o tema despertou, faz-me recuar aos anos cinquenta do último
século, quando os lavradores da minha aldeia, alugavam uma camioneta de carga
para irem buscar vinho «à Ribeira».
A
pureza de Barroso, o frio e o fumo são ingredientes que transformam, como nas
Bodas de Caná, qualquer mistela, em delicioso manjar, seja comida ou bebida.
Porque em Barroso até as pedras produzem pão...
Barroso da Fonte
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