ALBERTO GONÇALVES -
Diário de Noticias
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Por motivos que escapam ao comum mortal
mas não ao olhar presciente do dr. Costa, a "Europa" naturalmente
deseja que os portugueses vivam na mais abjecta miséria. E quem diz a
"Europa" diz a Comissão Europeia, o FMI, a Alemanha, Pedro Passos
Coelho, o senhor da confeitaria aqui ao lado e toda a súcia de comentadores ao
serviço do imperialismo neoliberal. Alimentada por pura maldade, essa gente
dá-se a uma impensável trabalheira apenas para subjugar-nos, humilhar-nos e
forçar-nos a remunerações incompatíveis com as escaladas dos combustíveis que o
governo, para nosso privilégio, decreta a cada semana. Por sorte, e ao
contrário de anteriores governantes que conviviam - e colaboravam -
impecavelmente com isso, o dr. Costa "não aceita" viver num "país
de pobreza". E se o dr. Costa não aceita, postura com credibilidade
acrescida por ter sido assumida em patuscada do PS com cantilenas de Carlos
Alberto Moniz, não se imagina qual a legitimidade de uns burocratas em Bruxelas
para contrariá-lo. Que se saiba, não lhes devemos nada.
Fica então decidido que isto da penúria
depende totalmente da vontade dos titulares do poder. Se estes forem
mesquinhos, o povo anda de mão estendida. Se forem socialistas, para cúmulo sob
a vibrante orientação de dois partidos comunistas, o povo nem sabe o que fazer
ao dinheiro. Ou sabe?
Por muito que me custe dizê-lo, há uma
ligeiríssima mácula no impecável raciocínio do dr. Costa. Devo lembrar que a
referida discórdia com a CE prende-se com a subida do salário mínimo, que em
Janeiro trepou vertiginosamente dos 505 para os 530 euros. Embora possa ser
impressão minha, mal habituado devido a tantos fins-de-semana em iates ao largo
de Capri, julgo que um acréscimo de 25 euros não é susceptível de transformar
os cidadãos em outdoors da abundância. Para benesses assim, era preferível
estar quieto, nos salários, nos aumentos de produtos básicos ou acessórios e
nos impostos em que o dr. Costa já jurou não bulir (garantia de que teremos
agravamento à porta). Se a ideia é resgatar a populaça da tirania dos
rendimentos pelintras, porque não se arremessa o salário mínimo para valores
de, por exemplo, 1200 euros? Ou 3000? Ou 5347 e não se volta a falar nisso?
Não me venham dizer que é por causa do
alegado impacto no desemprego, e sobretudo no desemprego de longa duração e dos
pouco qualificados. Montantes à parte, semelhante patranha é justamente o
"argumento" da CE, depressa ridicularizado pelas pensadoras à
disposição do BE. Se metade das gémeas Mortágua demonstrou cientificamente a
inexistência de relação entre o salário mínimo e o emprego, o caso declara-se
encerrado. Os tratantes às ordens do grande capital tentaram impingir-nos a
tese absurda de que convém ao salário mínimo, ou exactamente aos aumentos do
salário mínimo, estar dependente da produtividade, da inflação e de palermices
do género. Azar deles: saiu-lhes pela frente o fruto de uma educação às mãos do
prof. Boaventura, o competente sr. Jerónimo, o engraçado "ministro"
Centeno e, claro, o dr. Costa, "príncipe da política" segundo um dos
diversos militantes do PSD que fazem campanha pelo PS.
Arrasado o estratagema dos déspotas, resta
ao governo perder os últimos vestígios de timidez, cortar de vez as amarras da
opressão e vincular os ordenados dos portugueses ao único critério realmente
relevante: o parecer da maioria de esquerda. Parece-me excelente. O tempo novo
é o tempo de elevar Portugal aos padrões de vida das nações admiráveis e
admiradas pelo séquito do dr. Costa, tipo Venezuela e Cuba, onde os salários
mínimos rondam, se bem me recordo, os 10 000 euros mensais. Ou se calhar os 10
euros, que para economistas de gabarito os zeros à direita não pesam. O que
hoje pesa imenso, pelo menos a avaliar pela espectacular situação caseira, são
os zeros à esquerda. Força, Portugal, e o último a sair que apague a luz - se o
dr. Costa não a cortar primeiro, como o inspirador Maduro de Caracas.
Sexta-feira, 22 de Abril
Passar cartão
Não é o PCP que tem lampejos de lucidez: é
o Bloco de Esquerda que vive em estado de alucinação perpétua. O episódio do
"cartão de cidadania", que os comunistas dissimulados queriam impor e
os comunistas assumidos vetaram, é apenas um exemplo. E nem sequer um exemplo
original: por todo o Ocidente e arredores há "comissões",
"observatórios" e centros de ócio similares empenhados na erradicação
da discriminação de género através do massacre da gramática. Os primitivos, que
pronunciavam "chuva" e aguardavam o aguaceiro, acreditavam que a
linguagem determinava a realidade. O BE, sem hesitações ou subtilezas, também
acredita, e é preciso um partido que acredita na democracia norte-coreana para
moderar-lhes a toleima.
Ocasionalmente, critica-se os nossos
humoristas por pouparem o BE à sátira. É possível que não se trate de uma
questão ideológica, mas do simples facto de o BE constituir uma anedota em si
mesmo. Eu próprio iniciei este texto decidido a aliviar-me de duas ou três
graçolas alusivas e desisti entretanto. Cada frase, atitude ou proposta do BE
já é uma graçola perfeita e involuntariamente (?) elaborada. E a melhor de
todas é a circunstância de tamanha homenagem ao delírio ver-se hoje
representada sobretudo por senhoras. Se a ideia é combater o enxovalho e a
subalternização das mulheres, não seria mal pensado começar-se por aí.
Por decisão pessoal, o autor do texto não
escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
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