Dar-se-á o caso daqueles
que exercem o nobre ofício de ensinar se sentirem bem representados em simples
sindicatos?
“A esperança é só a
certeza que vem nela quando o não vir nos dói muito” (Vergílio Ferreira).
Numa espécie de intróito,
apoiando-me no testemunho de Lopes Cardoso, antigo bastonário da Ordem dos
Advogados, será que a profissão docente, “exigindo, pelo menos, uma
independência técnica e deontológica incompatível com uma relação laboral de
pleno sentido”, deva estar, unicamente, subordinada a questões sindicais?
Descurando, ipso facto, a sua identificação profissional , por exemplo, com
ordens profissionais em que é sabido que a filosofia e doutrina legislativas
que têm presidido às respectivas criações apontavam estas, inequivocamente, com
associações profissionais públicas que exigiam, como norma de inscrição, uma
licenciatura que se pudesse responsabilizar pela qualidade dos actos
profissionais prestados pelos seus membros, conforme consubstancia, por
exemplo, a legislação que deu corpo à Ordem dos Farmacêuticos (Decreto-Lei n.º
334/72, de 23 de Agosto).
Existem dezassete ordens
profissionais, entre elas, a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (crismada de
Ordem dos Contabilistas Certificados) com a exigência de inscrição que medeia
entre indivíduos, muitas vezes, sem preparação académica de nível secundário e
licenciados com diplomas politécnicos, por exemplo, contabilidade, ou mesmo
universitários, economia e gestão. Apesar desta proliferação de ordens
profissionais criadas nos últimos tempos, dar-se-á o caso daqueles que exercem
o nobre ofício de ensinar se sentirem bem representados em simples sindicatos
que proliferam como cogumelos em terreno húmido? Ou seja, entre eles uma
federação sindical (Fenprof), uma espécie de governo sombra, que exorbita o seu
campo de acção por discordar da criação de uma Ordem dos Professores quando
defende publicamente que essas funções são por si já exercidas por abuso de
direito.
E quando me reporto “ao
nobre ofício de ensinar”, trago à colação a opinião de Pierre Bordieu (1986):
“Só uma política inspirada pela preocupação de atrair e promover os melhores,
esses homens e mulheres de qualidade, que todos os sistemas de educação sempre
celebraram, poderá fazer do ofício de educar a juventude o que ele deveria ser:
o primeiro de todos os ofícios”.
Assim, não poderão ou
deverão os sindicatos que se julgam omnipotentes desresponsabilizar-se da
expiação em tentar fazer passar a imagem da actual docência como que a modos de
uma profissão de escravo grego ao serviço dos filhos dos senhores de Roma. Quer
isto dizer, o que é simplesmente espantoso, e deveras injusto, que uns tantos
profissionais inscritos em ordens profissionais, médicos, engenheiros,
advogados, enfermeiros, etc., são senhores do seu próprio destino. Outros, os
professores, com o beneplácito sindical, submissos à vontade e arbitrariedades
do Estado no recrutamento de docentes não sancionado pela classe docente em que
o critério é unicamente, no caso dos professores do 2.º ciclo do ensino básico,
a classificação impressa no diploma seja ele obtido nos claustros
universitários ou escolas superiores de educação.
Na União Europeia o
comboio do desenvolvimento social e económico é posto em marcha pela locomotiva
da Educação nele só viajando indivíduos bem preparados. Os outros ficarão na
estação, ou simples apeadeiros, com o diploma da sua ignorância
responsabilizando, mais tarde ou mais cedo, os governos que encararam a sua
formação como um palco de feirantes e os professores como marionetas do reino
da mediocridade.
Para o espanhol Jacinto
Benavente (1912), “fala-se em cultivar terras e fala-se pouco no que mais
importa – o cultivo dos homens, a cultura humana”. Por quanto tempo mais, neste
extremo ocidental da Europa, velho e respeitado continente civilizacional,
serão os portugueses vítimas de um ensino superior que forma, simultaneamente,
escassas elites e produz, à tripa-forra, diplomas para fins meramente
estatísticos. Ou, como escreveu António José Saraiva, “diplomas que dão direito
a usar uma palavrinha antes do nome, embora não obriguem a saber fazer coisa
alguma” (“Diário de Notícias”, 31/08/1979).
Em resumo, a procura da
solução da identidade profissional dos docentes, através da criação da Ordem
dos Professores como interlocutora privilegiada do Ministério da Educação em
questões científicas ou programáticas relativas ao sistema educativo nacional,
a elaboração de um código deontológico, a salvaguarda do título profissional de
professor, etc., não podem ser deixadas para as calendas gregas ao serem
encaradas como questão de somenos importância. Não o é, de forma alguma.
Colhendo exemplo em
profissões, representadas por ordens profissionais, trata-se de uma
injustificável excepção que me traz à memória a história daquela mãe que ao
assistir a uma parada militar, orgulhosa do seu rebento, diz em voz alta:
“Todos levam o passo trocado, só o meu filho leva o passo certo!” Ou seja,
serão os professores os únicos que levam o passo certo?
Ex-docente do ensino secundário e
universitário e co-autor do blogue De Rerum Natura
Sem comentários:
Enviar um comentário