FRANCISCO ASSIS - in: Jornal Público
O muito que Almeida
Santos fez ao longo destas quatro décadas que já leva a II República
outorgam-lhe um lugar de superior proeminência na história contemporânea
portuguesa.
São várias as razões
que me compelem, nesta hora triste, a evocar a tão recente memória de António
de Almeida Santos. O profundo apreço pelo homem, o respeito pelo cidadão
excepcional que ele foi, a admiração pelo intelectual que como poucos fundia o
brilho da forma com a solidez da substância, a insuperável consideração pelo
político nas suas múltiplas dimensões de parlamentar, de legislador, de
governante.
A excepcionalidade de
Almeida Santos revelou-se bem cedo. Ainda estudante destacou-se pelo brilho de
uma inteligência que já então denunciava uma simultânea propensão para a
especulação teorética, para a precisão analítica e para a arte oratória. Saído
de Coimbra com uma elevadíssima classificação e com o devido reconhecimento dos
seus professores e colegas estava naturalmente destinado a uma superior
carreira como jurisconsulto. Não desmereceu essa expectativa mas recusou
confinar-se a tal percurso. Amava demasiado a liberdade para condescender
acriticamente com a ditadura. Foi para Moçambique e aí lutou corajosamente
pelos valores da república e da democracia, fontes de inspiração de toda a sua
vida pública. Em 1974 instalou-se em Lisboa e iniciou um período de intensa
intervenção política que só terminaria no domingo passado. O muito que fez ao
longo destas quatro décadas que já leva a II República outorgam-lhe um lugar de
superior proeminência na história contemporânea portuguesa. Os seus biógrafos,
que não haverão de faltar, se encarregarão de sublinhar a importância do seu
legado político.
Tive o privilégio de
conhecer e de conviver amiúde com Almeida Santos nos últimos trinta anos da sua
vida. Privei com ele quase diariamente durante o período em que exerceu as
funções de Presidente da Assembleia da República. Desse contacto próximo
ficaram-me extraordinárias recordações que se resumem numa imagem simples: a de
um homem bom e generoso animado por uma inteligência superior, profundamente
dedicado aos interesses do seu país sem abdicação de uma vida própria. A
grandeza, contudo, produz sempre o efeito secundário de apoucar os pequenos.
Quando assim sucedia, e sucedeu várias vezes, Almeida Santos dava provas de uma
nobreza de carácter ímpar. Quantas vezes o não vi apiedado com o destino de quem
não merecia a sua atenção, disposto a ajudar quem qualquer outro ignoraria. Era
assim a sua natureza.
Há, por muito que
tentemos esconjurá-lo, algo de desesperante na finitude do homem. António de
Almeida Santos, que sempre tratei com o formalismo adequado como Dr. Almeida
Santos, deixa-me uma grande saudade. Saudade de um ídolo, saudade de um mestre,
saudade de um amigo. Adeus, Sr. Doutor, o Senhor era mesmo, sob diversos pontos
de vista, o melhor de nós todos.
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