sábado, 27 de junho de 2015

O ciclo de Tobias e os anjos do Apocalipse na capela-mor da igreja de São Miguel de Lobrigos – Análise iconográfica e iconológica

Figura 2 -  Imagem do Arcanjo Miguel inserida em cartela no arco cruzeiro
Figura 1 
São Miguel de Lobrigos é a sede do concelho duriense, Santa Marta de Penaguião. A sua igreja actual (Figura 1) provém do primeiro quartel de Setecentos.
A ostentação do cronograma de 1720 sobre a porta principal, por si só, poderia indicar o ano da conclusão das obras de alvenaria e cantaria. Assim parece, pois no livro da confraria do Santíssimo Sacramento encontram-se referências ao seu processo de construção. Ou, pelo menos, o início de uma campanha ou empreitada.
A finta para as obras da igreja foi lavrada a 28 de Outubro de 1719[1]. O documento não nos transmite a informação sobre quem teria executado o risco, nem mesmo sobre os mestres de cantaria, alvenaria, ou da pintura[2]. Fornece-nos informação sobre os mestres ferreiros que concluíram as obras de ferraria e alguns outros concertos, após ser levantado o corpo da igreja[3].
Todavia, não foi o processo de construção do templo, nem os artistas que nele participaram que nos interessaram para o ensaio de 22 páginas agora publicado na revista Tellus. Este surge a propósito da análise iconográfica[4] e iconológica dos pequenos painéis que cobrem o forro do tecto da sua capela-mor, cujo tema principal trata do périplo de Tobias na companhia de Rafael à terra Média. Um tema escasso na arte portuguesa (daí a importância de o trazer a estudo), como já foi assinalado por Vitor Serrão, na medida em que o simbolismo e a complexidade do Livro de Tobias, não se adequam às directivas de Trento, saídas da última sessão do Concilio (Dezembro de 1563).
Por essa razão só em condições excepcionais o ciclo de Tobias foi representado pela arte do Renascimento[5], em determinados círculos culturais.
Ao contrário das iconografias escassas na arte portuguesa, o programa iconográfico de Lobrigos pretende ressaltar os cinco painéis centrais sobre a vida de Cristo e os painéis dos anjos do Apocalipse que, à primeira vista, parecem ser distribuídos arbitrariamente, juntamente com alguns relacionados com o Arcanjo São Miguel e a Anunciação.
É de salientar que a execução pictórica de Lobrigos é da lavra de “artista” popular, revelando debilidades gritantes técnicas em termos formais e estéticos. Contudo, a obra no seu conjunto, adicionando-lhe a talha dourada, impressiona cenograficamente. Aliás, o cariz popular é ainda denunciado na representação de episódios omissos nos textos evangélicos, acrescentados pela piedade popular.
Assim sendo, este programa iconográfico fundamentou-se em certas fontes populares e nos textos evangélicos – o Apocalipse e o Livro de Tobias, o qual, em boa verdade, recupera o sentido “migratório dos símbolos” proposto pelo iconólogo Aby Warburg, ou seja, reminiscências da cultura pré-cristã.
Nesta iconografia periférica seguiu-se à letra o texto bíblico, e algumas fontes de origem popular, olvidando por completo as tendências culturais que à época eram propagadas nos grandes centros.


Figura 3 (Clique para aumentar)
O tecto da capela-mor – o programa iconográfico
O tecto da capela-mor, composto por 25 pequenos caixotões, é dividido em dois por uma mediana de cinco caixotões (A,B,C,D,E). Essa mediana é constituída por episódios da vida de Jesus Cristo ou com Ele relacionados:
A – Decapitação de São João Baptista
B – Visitação
C – Baptismo de Cristo
D – Agnus Dei
E – Nascimento da Virgem
Tanto à esquerda, como à direita, estão distribuídos 20 caixotões (dez de cada lado) com cenas do Ciclo de Tobias e do Apocalipse. E ainda algumas cenas relacionadas com a Virgem Maria e outras com o Arcanjo São Miguel, incluindo algumas lendas transmitidas pela tradição.
A análise da temática iconográfica foi orientada desta forma:
I – Imagem do Arcanjo Miguel inserida em cartela no arco cruzeiro (Figura 2)
II – Análise dos caixotões que compõem a mediana (A,B,C,D,E) – Figura 3 
III – Análise dos caixotões à esquerda da mediana:
a) A Anunciação (8)
b) Caixotões que relatam episódios lendários transmitidos pela tradição (2 e 6)
c) Os restantes caixotões que descrevem cenas do Apocalipse (4,5,7,9,10)
IV- Análise dos caixotões à direita da mediana:
a) Caixotões que descrevem cenas do Apocalipse (13, 14, 15, 17, 19)
V – Ciclo de Tobias (Figura 5)
a) Análise dos caixotões que descrevem o Ciclo de Tobias, à esquerda da mediana (1 e 3)
b) Análise dos caixotões que descrevem o Ciclo de Tobias, à direita da mediana (11,12,16, 18, 20)
Segue-se a relação entre os painéis (VI) e a análise iconológica (VII).

Armando Palavras



[1]              Estes elementos foram tratados nesta revista (Tellus), nº 59, pp.26-28.
[2]              Nesta época, no concelho de Penaguião, temos apenas dados de dois pintores: O que executou a pintura da igreja de Sedielos em 1755, aliás a pintura de maior qualidade – o lamecense Bartolomeu de Mesquita Cardozo -, em parceria com o entalhador Domingos Martins Pereira, e o pintor do tecto da nave da igreja de São João de Lobrigos, Manuel Furtado, cuja assinatura se encontra firmada no caixotão central, número 23. A tal propósito, cf. Revista Tellus, nº 59, pp. 29-30.
[3]              Voltamos a ter notícias elementares do templo em 1769 pela Relação de Sobre Tâmega.
[4]              Que se submeteu, por questões de espaço, apenas à temática, às fontes iconográficas e a uma descrição elementar. Para este escrito, elaborou-se uma síntese de um ensaio mais profundo, que pela sua extensão ultrapassa, em muito, os parâmetros de um artigo de revista.
[5]              É o caso, por exemplo, da pintura de um seguidor de Andrea Verrochio, hoje na National Gallery, que Ernst Gombrich, na linha de Aby Warburg, considera como um exemplo para a exploração do tema bíblico em termos simbólicos. O autor, em relação a São Rafael, alude metaforicamente ao seu significado de Anjo da Guarda, como a iconografia pós Trento o irá representar.

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