ALBERTO CORREIA
No Evangelho
da missa de um destes últimos domingos evocava-se a celebração desse cerimonial
bíblico que conhecemos como Última Ceia e que à maneira hebraica Jesus e seus
discípulos iriam celebrar no Cenáculo, algures em Jerusalém para onde
caminhavam regressando de Betânia ou seus termos. Estava talvez a tarde ainda
em começo quando alguns discípulos perguntam ao Mestre onde iriam celebrar essa
festa pascal que se iniciava nesse primeiro dia dos sete dias ditos dos Ázimos
em que obrigatório era comer o pão sem fermento, o (pão da aflição) cozido à
pressa na noite em que abandonam o Egipto que por séculos seria lembrada.
Os
Evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) contam que Jesus envia Pedro e
João à cidade (Jerusalém) dizendo-lhes que à entrada da cidade encontrariam um
homem com uma bilha de água. Ordena-lhes que o sigam até à casa onde irá entrar
advertindo-os de que o dono da casa lhes mostraria no andar superior da mansão
uma sala preparada para a celebração da refeição desse primeiro dia da festa da
Páscoa, lá onde eles deveriam preparar a Ceia com o pão “asmo”, o vinho, a
carne de cordeiro e as ervas amargas.Bilha. Foto de José Alfredo
No Museu
Nacional Grão Vasco, no âmbito da pintura de Grão Vasco e outros mestres seus
contemporâneos, existem belíssimos testemunhos das mesas do tempo evangélico,
da Última Ceia à pintura de título Cristo em casa de Marta onde aparecem esses
serventuários, homens e mulheres que colaboram no festivo acto das manducações.
Como o homem da bilha cujo nome ignoramos e que a mandado do senhor deveria ter
ido buscar água fresca a uma vizinha fonte de bica ou de chafurdo para temperar
o vinho, quem sabe.
Ao ler-se a narrativa bíblica fica-se a pensar no papel deste homem, provavelmente um daqueles fiéis servos como os das parábolas com que o Mestre que agora ali entrava ensinava as multidões. Mas não achamos resposta cabal. Todavia a leitura destes Evangelhos, que todos eles falam do homem da bilha, faz-me lembrar episódios da minha infância, lá longe, jeito de um templo bíblico em que eu, nas tardes calmosas, ia à Fonte sita no Terreiro da Fonte, abonado Largo da aldeia, encher de água fresca uma bilha de barro vermelho de Extremoz ornada com artificiosos desenhos de pedrinhas engastadas de onde todos bebíamos no pátio da casa familiar ou com a qual se temperava o vinho como em festa bíblica. Não havia ali, na aldeia, outra bilha igual a essa bilha da minha afeição. Viera de Extremoz trazida como lembrança nos inícios dos anos quarenta do século passado por uma família de trabalhadores que andava na abertura da estrada e meus pais ajudavam com géneros caseiros para as suas refeições. Era prenda para minha irmã ainda menina mas já mais crescida do que eu e de cuja posse fiquei detentor quando ela se ausentou. Lá anda ainda, reservada como poética memória, em casa da aldeia.
Alberto Correia, in: Jornal da Beira
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