domingo, 16 de dezembro de 2018

“A Nata do Povo” um volume de poesia séria e a sério


1-     Deve-se a este autor que hoje se escreva correctamente a palavra botelo, para onde chamou a atenção em poema e prosa publicada no jornal da Casa de Trás-os-Montes de Lisboa;

2-     É o género de poesia que incomoda os poderes. Durante anos esteve proibida em regimes totalitários, cujos exemplos maiores serão Ana Akhmatova e Óssip Mandelstam.


Os impérios não se conquistaram apenas pela espada. Nesse tumulto de lutas, batalhas e guerras, a palavra escrita não foi menos importante do que a espada.
Alexandre que conquistou o império que é conhecido de todos em 13 anos, carregava sempre consigo três objectos. Um punhal para evitar que lhe sucedesse o mesmo que a seu pai, assassinado em público, uma caixa que havia adquirido ao Rei dos Persas, onde estava guardado o terceiro objecto -  um exemplar da Ilíada.
Alexandre tivera como professor um dos mais ilustres atenienses e um dos grandes sábios gregos: Aristóteles, que lhe havia incutido o gosto por Homero. Aliás, como era normal em todo o Grego. A Ilíada e a Odisseia, eram, aliás, textos fundadores para todo o mundo grego. Na ilíada, Alexandre tomara conhecimento das façanhas de Aquiles. Quando inicia a sua campanha, a primeira paragem que faz é em Troia.
Assurbanipal também percebeu o poder da escrita e da literatura. Embora tenha tomado o poder pela espada, conservou-o pela escrita. Ele próprio se tornou um escriba, com maior competência do que os seus escribas profissionais (os sacerdotes), tornando-se um exímio leitor de outro texto fundador, o épico sumério de Gilgameš.
Esdras, depois de regressado do exilio babilónico, deu origem a uma Nação, através das escrituras do rolo.
E na dinastia Tang (618-907 d.C.), aclamada pelos historiadores como a época de ouro da China, o Imperador Tai Tsug unificou o seu império através dos burocratas que seleccionava em exame (caso único em todo o mundo), através de provas sobre o clássico de Confúcio. O exame imperial, uma instituição para todos que iria durar, sob uma outra forma, até 1905, e que indirectamente inspirou a criação do sistema de exames SAT nos Estados Unidos da América.
 Quando o império romano ruiu estava instalada na Península Ibérica, a língua que os soldados e os colonos romanos haviam trazido – o latim vulgar (o latim do limes – de fronteira), que se foi transformando num falar chamado Romance. Falar romance era “falar à maneira dos Romanos”, Diversificando-se pelas várias regiões da Península, no noroeste desta, na Idade Média, veio a transformar-se no galego-português que nesta época era a língua da poesia peninsular, disseminada nos textos dos trovadores, dando inicio à literatura portuguesa nas cantigas de carácter lírico, sentimental e satírico. Manifestações literárias inspiradas numa cultura oral de origem popular.
Os trovadores, poetas medievais, compunham poesia por comprazimento pessoal e gosto pela galanteria cortesã. Destacou-se neste grupo o nosso Rei Dom Dinis.
Por outro lado, os jograis (na Península Ibérica, também conhecidos por segréis), eram de condição inferior aos trovadores que cantavam música e poesia alheia. Actuavam publicamente em locais de peregrinação, feiras e até nos castelos senhoriais. Eram idolatrados pelo Povo, porque era dele que vinham. Eram um misto de saltimbancos e cantores, que incluíam nas suas actuações de rua ou de corte, as cantigas dos trovadores. Na sua maioria eram transmissores e divulgadores. Contudo, houve alguns que se tornaram criadores poéticos.
Em Trás-os-Montes há notícias desta gente, sobretudo nas terras do Barroso, estudados por José Dias Bapista: João de Lobeira, Martim Peres Alvim, Dom Pedro Gomes Barroso (trovadores) e Pero Larouco e Martim de Padroselos (jograis).
Os elementos mais característicos da primitiva lírica medieval peninsular são o paralelismo[1], o refrão e a voz feminina. São elementos originários da tradição oral popular, dos quais os trovadores se apropriaram.
Esse processo de composição origina a repetição de versos, embora sejam acrescentadas variantes ao longo da cantiga.
Por essa altura desenvolvia-se na Provença (sul de França), um lirismo pujante, requintado, em que a mulher é divinizada e o amor poetizado, como um bem a alcançar. É o chamado amor cortês, sofisticado, orientado por um código de comportamento que irá influenciar os trovadores peninsulares e a sua poesia de inspiração local, mais simples e menos convencional. Este contacto deu-se por vários meios: as peregrinações (Santiago de Compostela), séquitos nupciais aquando de casamentos entre cortes (o caso da rainha santa com Dom Dinis).
Os trovadores peninsulares foram ainda influenciados pelo lirismo árabe-andaluz (habitantes na Península), assunto chamado à liça por António Borges coelho (natural de Murça), em Portugal na Espanha Árabe.
Estas cantigas foram guardadas em três grandes cancioneiros (colecções de cantigas). O Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Vaticana e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional. O Cancioneiro das cantigas de Santa Maria de Afonso X, rei de Castela, é de tema religioso, não podendo ser incluído na temática destes.
Existem três tipos de cantigas:
As de Amor, as de Amigo e as cantigas satíricas. É neste último conjunto que se inclui a poesia de Flávio.
A sátira é a crítica de costumes e, mais restritamente, do próprio meio trovadoresco e dos seus agentes, como um dia indicaram Mário Fiúza e Olívio de Carvalho.
Esta vertente da poesia trovadoresca concretiza-se nas Cantigas de escárnio[2]e maldizer[3]. A bem dizer, a poesia de Flávio entronca nestas vertentes: no escárnio e no maldizer. Sem ligeireza, Flávio, com uma escrita primorosa e erudita, é mordaz e perspicaz quando zurze em gente sonante da nossa praça.


Como os trovadores medievais, Flávio, ora crítica de um modo encoberto, através da sugestão irónica; ora toma a dianteira numa crítica individualizada. E ao contrário dos trovadores medievais, Flávio também aborda problemas gerais.
Desde então, a linguagem passou por um processo de transformação e evolução, contribuindo para a transformação estrutural da copla. Contudo, o verso manteve-se. Como se manteve a sua medida (Metro) e a contagem dos sons do verso (escansão), sabendo que as silabas métricas, ou poéticas, em alguns aspectos, diferem das sílabas gramaticais[4].
A Flávio vemo-lo usar, por exemplo, o Heptassílabo, verso com sete sílabas métricas, também conhecido como redondilha maior; o Octossílabo, verso com oito sílabas métricas e por aí adiante.
Mas sobre isto nada mais adiantamos, que o poeta sabe muito mais do que nós. A nós interessou-nos a métrica, o ritmo, a musicalidade, bem como o conteúdo.
Este volume de Flávio, divide-se em nove pequenos grupos de poemas. Apresenta-nos o seu Bilhete de Identidade, e logo nesses 12 versos deparamos com a crítica directa e aberta a um político sonante pelas vigarices em que está envolvido, ao modo das cantigas de Maldizer. Como é directo na crítica feita em poemas como Alma Penada (29), Tomates (31). No primeiro atira uma critica corrosiva a José Sócrates e no segundo, visa o mesmo e António Costa.
Mas nas de Maldizer poderemos chamar à colaça, o poema Raríssimas (68-69), Prò Menino e prà Menina (81) ou Relato de um Assalto (76 e 77).
Nas de Escárnio chamamos a atenção para os poemas seguintes: Como Vai a Educação (62, 63 e 64), Assim se Deputa (65), A Filha Degenerada (66 e 67), Impureza (78).
Irónico, sem dúvida, na pequena quadra, Adivinha (25), que nos recorda António Aleixo, em “Pinócrates” (26 e 27), utilizando palavras identificadoras, ou em Os Afectos (17) e Se os Afectos Dessem Pão (20).
Aos costumes dedica a político sonante da praça “Palavra Dada É Palavra Honrada” (35) ou Cu, Cu (40). E ainda nesta vertente, Flávio é cáustico na crítica ao carácter em Sugestão Demoníaca (38), Rimance das Aventuras do Costa com o Diabo (41), ou mesmo a pequena quadra Mata, Mata (49), que nos lembra ditado antigo indiano (ou moçambicano?). Mas neste caso, que tal A Mulher de César (56 e 57), ou Três Tristes Trauliteiros (58 e 59)?
Mas Flávio por aqui não fica. Além da nata local, também as Escórias globais são aqui retratadas pela pena do poeta.
Mas Flávio não entronca apenas nesta poesia de tradição popular medieval de trovadores e jograis, o poeta transmontano, com a erudição que se lhe reconhece vai muito mais longe, muito mais atrás. Traz-nos Homero (o Pai como lhe chamavam os Antigos), aquele que está na origem da poesia da nossa raça. A fonte inesgotável a que todos os poetas da Europa (e escritores como Joyce) vão beber há três mil anos. E como o poeta cego, Flávio é económico e musical. Como o é toda a grande poesia, aquela que exercita a memória, como nas escrituras hebraicas cujos elementos prosaicos são animados pelo ritmo do verso. Tendem para o canto quando lidos em voz alta. Flávio é transparente e lúcido, vivo, clarividente. Claro na linguagem e nas ideias. Cada palavra isolada atrai todo um grupo de ressonâncias magnéticas harmónicas e melódicas. Cada som, cada pausa, a extensão de cada verso, contam para o ritmo do verso.
E, chamado à liça Homero, não podíamos terminar sem incluir o poeta transmontano, na tradição Antiga de Aristófanes, também ele cáustico na crítica aos costumes. Um dos poemas de Flávio que no-lo lembram intitula-se Os Sabores do Costa (46 e 47), que de seguida se lê:

Os Sabores do Costa
“2017 foi um ano saboroso”
(António Costa)

Os gostos não se discutem,
os sabores também não;
as coisas da Natureza
aceitam-se como são.

Há, porém, que distinguir,
de forma clara e segura,
os sabores naturais
daqueles contranatura.

Porque em gostos e sabores
também há patologias;
há quem goste de excrementos,
sofra de coprofagias.

Quanto aos sabores do Costa,
em qual das categorias
os devemos colocar?
Vejamos as iguarias
de que em 2017
ele disse mais gostar:
os incêndios de Pedrógão,
os roubos do armamento,
as festas do Panteão,
o mafioso documento
em que os partidos forjaram
o próprio financiamento;
a reinadia excursão
dos galpistas futeboleiros,
a insensata tentativa
de levar o Infarmed
para a terra dos tripeiros;
legionella em hospitais,
escândalo da Raríssimas
e outras viandas iguais,
anormais, esquisitíssimas.

Com tão estranhos sabores,
Não se espantem se amanhã
Ouvirem dizer que o Costa
Saboreou uma bosta
E lhe soube a pudim flan.
                                                                                                         
                                                                                                  Armando Palavras
(proferido na sede da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro de Lisboa em 13 de Dezembro de XVIII)


LANÇAMENTO DO LIVRO “A NATA DO POVO”
(Flávio Vara/ Currículo)
(Ver badanas do livro e ainda estas achegas)
·       Naturalidade
 Freguesia de Rio Frio (Concelho de Bragança, aldeia raiana entre Bragança e Miranda). 
·       Escolaridade
Ensino primário e secundário em Trás-os-Montes.
Ensino Superior em Coimbra e Lisboa. Licenciatura em Filologia Clássica, com distinção e com a tese “Virgílio e a Écloga Portuguesa Quinhentista”, que lhe mereceu o prémio “Prof. Simões Neves”.
·       Vida Profissional
Ensino: - Liceu Nacional de Vila Real;
                  - Faculdade de Letras de Lisboa.

Investigador do INII (Instituto Nacional de Investigação Industrial).

Actividade privada: - Gestor e Formador de pessoal na empresa Profabril.
Assessor:  No Ministério da Indústria e Energia.
·       Trabalhos Literários e de Investigação Sociológica
Literários:
                        - O Espantalho da Praxe Coimbrã;
                        - Virgílio e a Écloga Portuguesa Quinhentista;
                        - A Bem Soada Gente;
                        - A Nata do Povo;
                        - Prefácio do livro “Cantares”, de José Afonso (Edição clandestina no tempo
                        da ditadura);
                        - Colaboração em diversas publicações periódicas (jornais, revistas literárias
                        e científicas).

Sociologia Industrial:
                    - “Adaptação do Trabalhador de Origem Rural à Vida Industrial e Urbana
                         (de colaboração com Isabel Barreno, uma das Três Marias).
                          - “Os Aprendizes da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica – Motivações
                          e Atitudes”;
                          - “O Método dos Casos na Formação em Administração de Empresas”.



[1] O que define o paralelismo (que se encontra na poesia popular de todo o mundo) é a repetição de versos de estrofe (copla) para estrofe, segundo um esquema determinado, que acarreta repetições a outros níveis: vocabular, semântico, sintáctico, fónico e rítmico.
[2] Nas Cantigas de escárnio a crítica é feita de modo alusivo, encoberto, através da ironia.
[3] Nas Cantigas de Maldizer a crítica é directa e aberta.
[4] Para contar corretamente as sílabas poéticas, deve-se seguir os seguintes preceitos:
1) Não se contam as sílabas poéticas que estejam após a última sílaba tónica do verso
2) Ditongos têm valor de uma só sílaba poética.
3) Duas ou mais vogais, átonas ou até mesmo tónicas, podem fundir-se entre uma palavra e outra, formando uma só sílaba poética.

Sem comentários:

Enviar um comentário

O excedente e as aldrabices

Todos sabemos qual foi a narrativa em 2015, utilizada pelo dr. Costa para poder formar a geringonça: Troika, Passos, etc. Durante 8 anos...