Vasco Pulido Valente -
Observador
Marcelo tinha muita
curiosidade em conhecer Cuba e o assassino que os cubanos por lá conservam.
Segunda-feira
Não há dia em que não
apareçam por aí super-portugueses de pescoço dobrado para Marcelo lhes pendurar
um colar qualquer. Ultimamente foram o “menino de ouro” do futebol, Renato
Sanches, condecorado em Itália com este nobre título; Jorge Moreira da Silva,
um senhor do PSD que a OCDE resolveu nomear director-geral; e uma selecção de
mulheres que ganhou não sei o quê. Até Jaime Nogueira Pinto publicou um livro
chamado “Cinco Homens que Abalaram o Mundo”, em que patrioticamente incluiu
Salazar, quando se pode escrever a história da Europa desde o século XVII para
cá sem mais do que umas páginas (poucas) sobre Portugal.
Dizem os políticos que o
culto dos super-portugueses, desproporcionado e tolo, serve para encorajar a
ralé que por aqui miseravelmente se arrasta a grandes cometimentos, que a seu
tempo salvarão a Pátria. Não ocorre a ninguém que as maiores façanhas nacionais
não passam de um murmúrio que só ouve uma minúscula parte da humanidade e não
têm o menor efeito fora do pequeno país que por má sina nos calhou. Pelo contrário,
os super-portugueses animam o indígena a viver vicariamente a glória alheia ou
a fugir de cá a sete pés. Afinal Ronaldo joga no Real Madrid, Mourinho treina o
Manchester United e António Guterres não é secretário da Associação 25 de
Abril.
Terça-feira
Marcelo, segundo ele
próprio confessou, tinha muita curiosidade em conhecer Cuba e o assassino que
os cubanos por lá conservam e que há 50 anos usava o nome de Fidel Castro. Não
devemos tirar estes prazeres ao nosso Presidente, mesmo sem saber qual é a
nossa política externa — para além evidentemente da ocasional caravana de
mendicantes a pedir uma esmolinha por amor de Deus — e quem a faz.
Quarta-feira
Passei a tarde de ontem a
ler o livro de Sócrates, “O Dom Profano – Considerações sobre o carisma”. Que
dizer da coisa, senão que o próprio autor chega ao fim de 152 páginas (letra
grande, mancha larga) sem, confessadamente, saber ao certo, ao certo, do que
está a falar? Aparte isso, Sócrates, como era de esperar, usa a técnica do
aluno cábula e sem ideias. “O Dom” dele é de parafrasear e comentar meia dúzia
de cavalheiros respeitáveis (Weber, Cassirer, Kojève e por aí fora) e citar
dezenas de outros por empréstimo, ou seja, porque já vinham citados no pouco
que ele leu. Este método iria inevitavelmente acabar por produzir uma
enormíssima trapalhada: repetições, contradições, despropósitos e vacuidades,
com muito erro pelo meio e algumas sentenças de Sócrates, que roçam o
vexatório. Apesar dos recados políticos e de um ou outro disfarçado aceno a um
público imaginário, não se percebe por que razão o indivíduo escreveu este
livro. Sonhará ele ainda vir a ser o “líder carismático” do futuro? Suspeito
que sim.
Quinta-feira
Gostava de lembrar à dra.
Manuela Ferreira Leite e a outros filósofos com grande vocação moralista que o
ordenado de alguns jogadores de futebol e de alguns gerentes de bancos não é
comparável. Os gerentes de bancos têm para mostrar ao mundo quatro ou cinco
fraudes de uma dimensão heróica e o estado miserável do sistema financeiro
português. Os jogadores de futebol ganham bom dinheiro aos respectivos clubes e
valem por si mesmos num mercado internacional. Só por pedantismo e cegueira se
pode lamentar, com um escândalo de classe média letrada (coitada dela!), o que
ganham Ronaldo, Nani, ou Pepe.
O dia inteiro com Elena
Ferrante, “Os Romances de Nápoles”. Depois falaremos.
Sábado
Um primeiro-ministro
(alegadamente), um ministro e uns tantos chefes de gabinete e de “adjuntos”
foram acusados de se ornamentar com títulos académicos que, de facto, não
tinham. Isto não se compreende. Primeiro porque há por aí milhares de
licenciados e centenas de doutores que comprovadamente não sabem ler, nem
escrever e que não servem nem para caixas de supermercado. Segundo, porque o
exercício de cargos políticos não exige (e seria absurdo que exigisse) qualquer
habilitação formal. A explicação da mascarada curricular da pobre plebe que
hoje rodeia os governos, de esquerda ou de direita, é outra. Antigamente, na
média burguesia letrada toda a gente conhecia toda a gente desde o liceu ou da
faculdade. Agora, o pequeno universo das profissões, da universidade e da
política está cheio de aventureiros, cuja única família e o único vínculo são
os bandos de que fazem parte e, quando por acaso vêm à superfície, esses
produtos da oportunidade e da desordem precisam de uma qualquer desculpa
“respeitável” para continuar pacificamente as suas maquinações.
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