São as famílias de classe média e os
indivíduos de classe baixa que vão à McDonald’s e compram pizzas congeladas.
Se o caro leitor tiver uns quilitos a
mais, há uma boa e uma má notícia para si. A boa notícia é que o governo vai
apostar na sua saúde e na melhoria da sua condição física, para que possa ver
crescer os bisnetos e envelhecer com a joie de vivre de Manoel de Oliveira. A
má notícia é que o governo não lhe vai oferecer um personal trainer nem uma
inscrição no ginásio do seu bairro – vai simplesmente obrigá-lo a pagar mais
impostos.
António Costa já tinha avisado na última
entrevista ao PÚBLICO que o país estava obrigado a “fazer escolhas”. É um
facto. O país tem de “fazer escolhas” porque a escolha do governo é sempre a
mesma: aumentar impostos para tapar os buracos dos sucessivos orçamentos de
Estado. E vai daí, decidiu agora alargar o perímetro fiscal até ao nosso
perímetro abdominal. O governo prepara-se para apresentar o primeiro fat tax
português, um imposto que num primeiro momento parece incidir apenas sobre
refrigerantes doces, mas que consoante as necessidades (e Deus sabe como
estamos necessitados) poderá vir a ser alargado aos chocolates, aos gelados e a
tudo o que contenha uma percentagem de açúcar acima daquilo que Carolina
Patrocínio considere aceitável. Em casos extremos de desespero fiscal – perdão:
de preocupação com a saúde dos portugueses –, o fat tax terá sempre à sua
disposição a tributação da gordura e o valiosíssimo mercado da fast food, uma
das últimas minas que o governo ainda pode explorar fiscalmente.
Para mais, o fat tax tem a extraordinária
vantagem de ser um imposto valioso travestido de conselho médico. No dia em que
esta medida for apresentada em conferência de imprensa, Mário Centeno fingirá
estar apenas a seguir as recomendações de Adalberto Campos Fernandes, e António
Costa aparecerá diante das câmaras com os números da obesidade, as análises ao
colesterol e os custos da má alimentação. O argumento financeiro é, contudo,
duvidoso: se os gordos custam mais ao Ministério da Saúde, custam muito menos à
Segurança Social, dada a redução na sua esperança de vida. É bastante provável
que um trinca-espinhas centenário seja mais oneroso para o Estado do que um
adiposo sexagenário.
Atenção: não vejam nisto uma crítica
furiosa ao fat tax, que no campeonato da extorsão ao contribuinte nem é das
piores ideias. Em teoria, sou um adepto da tributação indirecta, já que ao
menos envolve uma escolha por parte do consumidor, que pode sempre optar pela
Coca-Cola Zero. A tributação indirecta é mais liberal do que socialista;
valoriza a liberdade em detrimento da igualdade. Só que é preciso ter
consciência de que essa tributação, ao contrário dos impostos directos, é
regressiva. Quando mal calibrada, pode ser profundamente injusta. Quem se trama
com um possível imposto sobre a fast food não são os yuppies metrossexuais que
frequentam o Belcanto. São as famílias de classe média e os indivíduos de
classe baixa que vão à McDonald’s e compram pizzas congeladas. Mesmo que nos
console um pouco imaginar o roliço António Costa a largar mais uns euros no
supermercado, isso não obnubila o facto de serem os contribuintes de menores
rendimentos que irão sofrer mais com um fat tax alargado. É uma triste ironia
sermos obrigados a pagar pela nossa gordura para que o Estado possa continuar a
engordar. Mas, bem vistas as coisas, é esse o caminho para a sociedade
socialista que o preâmbulo da nossa Constituição promete: um Estado obeso com
milhões de magrinhos à sua volta.
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