Vasco Pulido Valente - OBSERVADOR
O sr. Galamba não tem boas maneiras ou
educação: ninguém iria jantar com ele ou o convidaria para casa. Como a sua
insignificância é absoluta, era bom que se impedisse o indivíduo de maçar as
pessoas.
Segunda-feira.
Quando a dra. Mariana Mortágua, no fim de
uma vulgaríssima conferência sobre o neo-liberalismo, incitou as massas (150
pessoas?) a demolir a capitalismo, uma certa direita perdeu a cabeça. Apareceu
gente a falar em revolução, em comunismo e até em marxismo. Parecia que a
simpática jovem, como diria o meu avô, tinha deitado labaredas pela boca; e não
tardou de facto que ela propusesse o “imposto Mortágua”, como quem assalta o
Palácio de Inverno. Admitindo que a menina não tinha uma tão maléfica intenção
e sabe, embora enevoadamente, do que está a falar, convém fazer notar à direita
indígena, para sua tranquilidade e saúde, que anda a sonhar com fantasmas. A
dra. Mariana Mortágua não ameaçou a ordem estabelecida com a luta de classes,
com a classe operária ou sequer com os terríveis trabalhadores do Bloco. Já
educada nas frustrações do tempo, ficou por uma referência melancólica à
inexplicável existência de pobres e de ricos, como um romântico versejador de
1830, à maneira de Enjolras e outros galãs de Vítor Hugo. Mas se “Les Miz” é um
óptimo musical não consigo sinceramente ver o dr. António Costa a guiar o povo
às barricadas. Além disso, hoje as ruas são alcatroadas.
Terça-feira.
O Orçamento explica a grande alegria da
queda do suposto “muro” que separava o PS da franja revolucionária, desde
sempre inimiga e fraterna. Esta história, sim, começou com Lenine e morreu
agora. O sr. ministro Mário Centeno disse que o Orçamento era de Esquerda e a
sra. coordenadora do Bloco – sempre essa fatal mulher – disse que não era. Têm
os dois razões e nenhum tem razão. Excepto pelo funcionalismo público e outros
dependentes do Estado, o Orçamento não define um grupo de beneficiários, que o
poder tenha decidido proteger, nem um grupo de privilegiados, que tenha
decidido perseguir. O governo socialista dividiu laboriosamente os portugueses
em dezenas de categorias – de empregados, de contribuintes, de pensionistas – e
tratou cada membro desta clientela à sua maneira. Em vez de estabelecer a igualdade
por que tanto se baba fortificou as divisões que já existiam e estabeleceu
outras. Não há qualquer coesão social na esquerda e esta estapafúrdia aliança
que nos pastoreia é ao mesmo tempo o sintoma e a consagração do caos. É claro
que, do PC ao PS, toda a gente sonha promover a igualdade entre os portugueses
(para já não mencionar a humanidade inteira), mas ninguém menciona o pequeno
problema do dinheiro. Os românticos nunca se preocupam com os meios, sempre
lhes chegou o sentimento: por Elvira ou pela fraternidade.
Quarta-feira
O último debate entre Trump e Clinton
tratou entre outras coisas de política fiscal. Clinton seguiu humildemente a
cartilha da “esquerda”: vai reforçar os serviços sociais” e, como a dra.
Mortágua, vai “buscar o dinheiro onde ele estiver”, ou seja, aos “mais ricos”.
Se os “mais ricos” deixarem, evidentemente. Esta internacionalização do
disparate não anima ninguém.
Quinta-feira
O ordenado do presidente da Caixa-Geral de
Depósitos provocou por toda a parte uma explosão de invejas. Como são
irresponsáveis os jovens cabecilhas do PS e do Bloco não percebem o preço da
responsabilidade e devem gostar de brandir o seu novo poder, já que não ganham
muito e nem carro lhes dão. Não por acaso as grandes revoluções foram sempre
feitas por esta espécie de gente: ambiciosa, bem-falante e semiletrada.
Sexta-feira
Ontem houve um debate na TVI, fatalmente
sobre o Orçamento. Os convidados eram, entre outros, João Galamba, Pedro Braz
Teixeira e Adolfo Mesquita Nunes. Não se percebeu nada de coisa nenhuma. João
Galamba falou mais do que toda a gente junta (de facto, berrou quase sozinho
durante todo o tempo), interrompeu, não permitiu que ninguém acabasse um
argumento e muitas vezes nem sequer uma frase. O sr. Galamba não tem boas
maneiras ou educação: ninguém iria jantar com ele ou o convidaria para casa.
Mas, como a sua insignificância é absoluta, não valeria uma linha se os
moderadores de televisão, que constantemente o chamam, não o deixassem
livremente disparatar à nossa custa e à custa deles. Quinta-feira na TVI, Pedro
Pinto foi uma desgraça. Por que raio protegeu ele o abominável Galamba? São
ordens da estação? Representa esse demagogo de feira o PS oficial ou
directamente o governo? Seria bom que isto se esclarecesse ou que se impedisse
o indivíduo de uma vez para sempre de maçar as pessoas.
Sábado
À vista do Orçamento de Estado para 2017,
será que algum português se sente menos miserável, mais confiante, mais
disposto a gozar a vida? Será que a sopa do convento aumentou o bastante para
fazer esquecer a bancarrota, a austeridade, o tempo perdido de há oito anos
para cá? O dr. António Costa (e o afectuoso Marcelo) deviam ler e reler esta
frase do cardeal de Retz, arquétipo do intriguista e do manobrador: (cito de
memória) “Existe um grande intervalo entre as pessoas estarem fartas de um
governo e perceberem que estão fartas de um governo”.
NOTA – O título exacto do livro de que
falei a semana passada é “Uma História do Cristianismo – Os primeiros três mil
anos”. Peço desculpa.
Sem comentários:
Enviar um comentário