Apesar de a execução orçamental e a
evolução económica apontarem para um défice acima dos 3% do PIB, eis se não
quando surge mais uma vez um (o mesmo) coelho da cartola: mais um perdão
fiscal.
Está explicado o otimismo e confiança do
primeiro-ministro em atingir um défice inferior a 2.5% do PIB! Apesar de a
execução orçamental e a evolução económica apontarem para um défice acima dos
3% do PIB, eis se não quando surge mais uma vez um (o mesmo) coelho da cartola:
mais um perdão fiscal.
Começando pela execução orçamental, à
primeira vista ainda não haverá ainda sinais para alarme. No primeiro semestre,
o défice em contas nacionais foi de 2,8% do PIB, acima do objetivo de 2,2% do
Orçamento de Estado, ou até mesmo dos 2,5% esperados pela Comissão Europeia,
mas bastante abaixo dos 4,6% verificados no mesmo período de 2015. No entanto,
os últimos dados de agosto, em contabilidade pública já demonstram que os
riscos são cada vez mais reais. Até ao final do ano, sê-lo-ão cada vez mais.
O menor crescimento da economia, devido a
desaceleração da procura interna começa a dar de si. A receita continua a
desiludir (está a crescer 1,3% abaixo do objetivo de 5%), principalmente devido
a um menor crescimento da receita fiscal. A despesa, embora continue abaixo do
objetivo (1% vs 5,6%), fá-lo apenas devido a um aumento de dívidas em atraso e
da compressão cada vez maior do investimento público (apesar de o OE prever um
aumento do investimento. As despesas com pessoal até já se encontram acima do
objetivo inscrito no OE (3% vs 2,3%) apesar de ainda não incluírem a última
reposição dos cortes salariais que irá ocorrer agora no último trimestre.
Para chegar ao objetivo, em contas
nacionais, o défice não poderá ultrapassar os 1,7% do PIB na segunda metade do
ano – ou seja, uma melhoria de quase 1% do PIB em relação à primeira metade do
ano. Algo praticamente impossível tendo em conta que as pressões do lado da
receita e da despesa vão aumentar substancialmente na segunda metade do ano: as
reposições de salários na função pública terão um impacto maior ao longo do ano
e os custos da descida do IVA da restauração e da reeducação do horário de
trabalho para as 35 horas serão agora suportados.
Para além disso, no cenário do governo a
procura interna não só deveria estar a crescer a um maior ritmo como deveria
continuar a acelerar na segunda metade do ano, algo que claramente não está a
acontecer. Assumindo que a procura interna mantém o crescimento atual (0,5% por
trimestre) e tendo em conta os custos com as medidas referidas em cima, o
défice em 2016, deverá rondar os 3,2%. Se a procura interna acelerar
ligeiramente, poderá chegar aos 3%, mas sempre longe dos 2,2% inscritos no OE
ou até dos 2,4% que servirão supostamente de base ao Orçamento de 2017.
Portanto, este Governo, tal como governos
anteriores terá de recorrer mais uma vez às famosas “one-off” ou medidas
extraordinárias. Já houve para todos os gostos, implicam sempre várias siglas e
discussões detalhadas sobre estatística e contabilidade: transferências de
fundos de pensões da banca e de outras empresas, taxas extraordinárias,
titularização de receitas da Segurança Social e claro… perdões fiscais.
Em 2013, num período em que se tentava a
quase todo o custo garantir a saída limpa do programa de resgate, o Governo de
então anunciou um perdão fiscal relativamente semelhante ao atual. O Estado
abdicava de juros e de coimas a troco do pagamento de dívidas em atraso. Na
altura, esta medida gerou, cerca de 1200 milhões de euros, ou 0,7% do PIB,
sendo que o Estado abdicou de receber cerca de 40% deste valor – 480 milhões de
euros, em juros, coimas e outros custos. É obviamente difícil, tentar prever
qual será o montante arrecadado este ano, até porque parece que o plano não
será exatamente igual ao de 2013. No entanto, diria que provavelmente o Governo
espera arrecadar o mesmo, já que conta chegar a um défice de 2.4% do PIB este
ano – partindo claro do principio que a minha estimativa de 3-3.2% está
correta!
No entanto, mesmo com um défice de 2.4%
atingido desta forma, com uma medida extraordinária, Portugal arrisca-se a não
cumprir as recomendações do Conselho Europeu – e aí vem novamente a discussão
das sanções… Claro que provavelmente isso será desvalorizado como sendo algo
irrelevante e “estatístico”. Mas em bom rigor não o é, e implicará um maior
esforço (mais “austeridade”) em 2017, a não ser que o governo conte ter um
perdão fiscal todos os anos…
Claro que a justificação desta medida
nunca é (apenas) a possibilidade de arrecadar dívidas fiscais. Este Governo,
tal como os anteriores refere sempre os méritos desta medida para a liquidez
das empresas e famílias. Ora sendo essa uma prioridade porque não diminuem os
pagamentos em atraso do Estado em vez de continuarem a aumentar? Finalmente, e
para lá do impacto no défice, o principal problema desta medida é o sinal que
transmite. Se o Estado português anuncia perdões fiscais de três em três anos
qual o incentivo que oferece para o pagamento de impostos atempadamente?
Mas pouco importa, certo? Este ano teremos
um défice abaixo dos 3%! E para o ano… logo se verá!
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