quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Carlos Alexandre: reacção alérgica a iniquidades


José Martins da Fonseca*  - jornal Público

Tenho esperança de ver, um dia, os cidadãos deste País unirem-se em defesa dos seus magistrados.

O Juiz de Direito Carlos Alexandre no contexto de uma entrevista estritamente do foro pessoal, fez uma afirmação que suscitou a indignação de uns quantos.
Disse (cito de memória) que não recebeu herança dos seus pais ou dos seus sogros, que não tem amigos no sentido de "pródigos", nem dinheiro em conta de amigos. Vive exclusivamente do seu trabalho, honrado e sério.
A habitual corte de comentadores assanhados e certa comunicação social aproveitou esta referência ao facto do Juiz afirmar não ter dinheiro em conta de amigos, para, lançarem sobre ele a acusação de falta de imparcialidade e até mesmo, pasme-se, de ausência de condições para continuar Juiz.
Tudo isto porque associaram a dita afirmação a um dos mais mediáticos processos judiciais, onde, de acordo com o relato do principal arguido e da comunicação social, parte daquilo que o referido arguido dispõe deve-se à prodigalidade de amigos.
Repare-se que foi o próprio visado e a comunicação social quem afirmou essa prodigalidade, nascida da amizade, para justificar os meios de fortuna. Nestas circunstâncias a referida afirmação do Juiz não pode nunca ser vista como um sinal de falta de isenção, mesmo que se conceda que subjacente a essa afirmação (o que duvido) possa ter estado o dito processo mediático.
(A colocação do sítio desta petição é da inteira
responsabilidade do "proprietário" deste blogue)
Não há aqui nenhum pré-juízo condenatório do julgador relativamente a factos carecidos de demonstração, pois, como é público e notório, foi o próprio arguido quem, através da comunicação social ao seu belo dispor, justificou os meios de fortuna com a prodigalidade de amigos. Não há, nem pode haver quebra de isenção por parte do Juiz. Afirmar-se o contrário, negando a evidência, é pretender unicamente atingir a honra e a consideração do Juiz.
Importa ter presente que “...afirmar-se sem fundamento, que um Juiz de Direito agiu e decidiu de forma não isenta, está-se inequivocamente a ofender a honra e consideração deste, já que a isenção do julgador é um requisito que em caso algum pode ser posto em dúvida, pois é nuclear no seu desempenho profissional, sem ela não é possível fazer Justiça, e é exactamente esta a função do Juiz” - in sentença de 24.06.1991 da 2.ª Secção do 4.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa.
Este tipo de intoxicação pública pela sua sistemática ocorrência é algo que, mais do que incómodo, causa verdadeira indignação.
Há algum tempo, na India, os cidadãos e os advogados, principalmente estes, saíram à rua em defesa dos seus magistrados, enfrentando a fúria e a violência da polícia. Muitos foram espancados e detidos, mas isso não os demoveu daquele nobre propósito. Tinham todos perfeita consciência que a opressão, a intolerância dos poderosos, a corrupção, a mentira, a hipocrisia, a prepotência, a violência, a cobardia e a arbitrariedade dos poderes constituídos, só se se combatem com os Homens e Mulheres livres, respeitados e dignificados que diariamente fazem Justiça nos Tribunais, servindo e honrando o País.
Tenho esperança de ver, um dia, os cidadãos deste País, também indignados e cansados de tanta sordidez, unirem-se em defesa dos seus magistrados.
Sinto um profundo orgulho em ser magistrado e em ter entre os magistrados portugueses alguém com a dimensão humana, ética e profissional do Juiz de Direito Dr. Carlos Alexandre. Bem haja.

*Procurador da República no TAF do Porto, jeamf@hotmail.com

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