sábado, 3 de setembro de 2016

Bons lençóis



Alberto Gonçalves - revista Sábado

Um ministro alemão quer proibir a burka em locais públicos. Em França, onde à semelhança da Bélgica a burka já é proibida, algumas cidades proibiram o burkini nas suas praias. Outros países europeus discutem proibições similares em volta da burka, do niqab e do hijab. Acho mal. Desde logo, acho mal a quantidade de exotismos usados para definir o que não passa de um simples lençol preto. Depois, acho mal que, a pretexto das desvantagens do lençol (uns disparates alusivos à subjugação feminina e à propaganda de assassinos), se desprezem as suas vantagens. Estes debates raramente debatem o essencial. E o essencial são, ou deveriam ser, as inúmeras pessoas que beneficiam do lençol e agradecem a sua disseminação.
As feministas agradecem. As herdeiras das fanáticas que queimavam sutiãs (por causa da opressão) hoje defendem fanaticamente o direito ao lençol (por causa da liberdade). Faz sentido? Nenhum, mas as adaptações contemporâneas das "causas" clássicas não pretendem fazer sentido: pretendem fazer barulho. No "jornalismo" e na política há carreiras erguidas assim.
Os xenófobos agradecem. Graças ao lençol e às variantes do lençol, uma muçulmana é facilmente identificada no supermercado e na fila do aeroporto, o que permite aos inimigos do "multiculturalismo" guardar as devidas distâncias e vigiar a senhora em busca de movimentos suspeitos.
Os terroristas agradecem. Ao contrário dos homens, que arriscam dar nas vistas ao transportar explosivos, metralhadoras ou machados, as mulheres podem ocultar um vasto arsenal sob o lençol. Se a coisa for bem feita, ainda se consegue arrumar por lá uma bandeira do Estado Islâmico, um CD-Rom com degolações sortidas, dois exemplares do Corão, o filho mais novo e a caricatura de um judeu.
Os maridos agradecem. Dado que muitos muçulmanos mantêm viva a nobre tradição de espancar a esposa com regularidade, o lençol serve na perfeição para esconder as marcas do ritual e mantê-lo confinado à intimidade do casal. Dessa maneira, o crime público torna-se um hobby privado, o que, além de poupar um dinheirão em processos judiciais, evita desavenças familiares.
As feias agradecem. Mulheres esteticamente pouco dotadas podem simular uma conversão instantânea ao islão, cobrir as características que as separam das restantes mortais e levar uma existência indiferente às pressões da publicidade e fundamentada na igualdade plena.
As bonitas agradecem. E duplamente: o lençol não apenas impede a sua redução a um objecto sexual (incluindo piropos e aventuras tórridas com sujeitos possuidores de dentição completa e iates) como as livra da subordinação à indústria da moda.
Os economistas agradecem. Sempre que encontram uma conhecida na rua, as mulheres ficam cerca de 43 minutos na conversa. Com o lençol, é impossível reconhecerem quem quer que seja, pelo que se apressam a chegar a casa. Ganha a produtividade, no caso exclusivamente relativa à confecção da paparoca do marido.
Eu agradeço. Sem o lençol, esta crónica trataria quase de certeza do deprimente estado do País. Muito obrigado.

O BOM

Não há rapazes maus

Enquanto a jornalista da SIC abanava afirmativamente a cabeça, os filhos do embaixador iraquiano explicaram que tanto eles como o rapaz por eles agredido são "vítimas das circunstâncias". As circunstâncias foram um bocadinho mais severas para com Rúben Cavaco, entretanto em coma. Na entrevista, as outras duas vítimas exibiam saúde. E certo desgosto face a Portugal, no entender deles um país propício a azares assim. É um drama recorrente: as famílias dos diplomatas mudam-se de nações pacatas para a barbárie e depois é isto.

O MAU

Adeus, Lenine

A "prestação" portuguesa nos Jogos Olímpicos não me incomodou nada. A "prestação" dos comentadores dos JO foi pior, sobretudo na RTP, que eu pago. Durante a maratona, o sujeito do costume enchia os chouriços do costume. De súbito, maratona puxa Carlos Lopes, Carlos Lopes puxa Los Angeles 84, Los Angeles 84 puxam Reagan e esses "anos infelizes", quando os EUA "tentavam afirmar-se como potência dominante". E conseguiram acabar com a URSS, que, palpita-me, é o que custa ao comentador. A mim custa-me patrocinar idiotas.

O VILÃO

Políticas de proximidade

Primeiro, o Governo ameaça devassar todas as contas bancárias. Depois, faz constar que haverá um limite e a TVI, amiguinha, anuncia eufórica: "Afinal fisco só vai ter acesso a contas acima de 50 mil euros." Temos muita sorte, não temos? Não. Com ou sem limite, a coisa é um abuso que até o PCP condena – pelo menos para já. Não importa a quantidade de países que o cometem, nem a facilidade com que os interessados o fintam: aos poucos caem as últimas barreiras que nos protegiam do Estado, e os últimos resíduos de vergonha.

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